Sobre a noção de Vínculo

Psicoterapia Vincular

Sobre a noção de Vínculo

Começamos a falar de vínculo a partir da sua etimologia. Do latim VINCERE/VINCULUM, significa ATAR, UNIR, LIGAR algo ou alguém com outro (Cesares, 1979). Refere-se também, ao que restringe, ao que aperta, ao que limita. E, também, conceituações como: vínculos empregatícios, jurídicos, esclerônomos, holômonos, reônomos (estes todos relacionados à física), bem como outras significações da ordem de processos mais concretos como os matemáticos e estatísticos.

Diante de tantos significados do termo vínculo, vemos a complexidade que é pensá-lo. Pois, esta complexidade está tanto para a ordem do inefável, como para a ordem do objetivo, concreto.

Aqui me ocuparei do campo da subjetividade relacionada ao vínculo à luz da teoria psicanalítica e alguns pensadores desta.

Freud apresenta ao mundo via a psicanálise uma teoria que dava conta da estrutura psíquica do sujeito como um produto de seu inconsciente e de todos os processos incluídos nestes. Era a perspectiva de olhar para o mundo interno de cada indivíduo.

Melanie Klein, como pensadora significativa, segue desenvolvendo a teoria de mundo interno pelo viés das questões que operam na criança. No entanto, as sede de conhecimento frente aos desafios que o humano provoca, buscam novas formulações para serem introduzidas e agregadas a compreensão psíquica do sujeito e seu desenvolvimento.

Outros autores como: Bion, Winnicott, Aulagnier, Kohut, Pichon-Riviere,  ocupam-se em articulações psicanalíticas sobre o sujeito e o outro e o ambiente ao qual está inserido.

A partir destas ampliações teóricas, o mundo interno do sujeito, ainda que, com toda sua importância e relevância passa a adquirir outros entendimentos,  que abarcam explicações para a subjetividade que faz parte de todo e qualquer indivíduo em relação: ao/com/para/e  com o outro.

Uma série de questões que diziam respeito ao mundo relacional do ENTRE sujeitos. Revelando assim a necessidade da inclusão do outro na formação do psiquismo.

Surge, então, a Psicanálise Vincular desenvolvida por pensadores argentinos, especificamente, por Isidoro Berenstein e Jeanine Puget numa perspectiva contemporânea que contempla a crise paradigmática e epistemológica acerca da formação do sujeito.

Com este pressuposto teórico desenvolvendo-se, o pensar sobre o sujeito, sofre uma mudança importante. O aparelho psíquico passa a ser de  “aberto”, para um receptor de CONSTANTES “inputs” para seu desenvolvimento. Ou seja, amplia-se o entendimento sobre a subjetividade. E o olhar passa a ser uma  construção na relação com o outro através do vínculo.

Assim, tomar o vínculo como objeto de trabalho, é ocupar-se da relação entre dois ou mais sujeitos inseridos num contexto biopsicossocial.

O sujeito, como diz Berenstein, é o próprio inconsciente e o que o outro interfere nele. Na  compreensão de não haver sujeito separado, e vê-lo deste modo é resultado da percepção consciente. O vínculo não passa pela percepção. É da ordem da representação. Portanto, o vínculo ocupa espaços no aspecto biológico (vínculos de sangue), no aspecto psicológico (intrapsíquico, intersubjetivo e transubjetivo) e no aspecto social (vínculos do transubjetivo e das questões inter e transgeracionais).

Se o vínculo é da ordem da representação, isto o justifica como componente vivo e ativo nas famílias, nos casais, nas instituições. 

Os vínculos de sangue dizem respeito ao parentesco, ao biológico. O que liga a mãe e o pai ao filho e este a descendência e a transmissão genética/psíquica. 

Os vínculos de aliança são aqueles nos quais a relação se faz por compromissos recíprocos entre as pessoas. Os contratos são os fundamentos que incidem na concepção destes vínculos.

“A passagem do parentesco de sangue aos vínculos de aliança implica na passagem da fantasia de ser ‘um osso e uma carne’ como diz na bíblia… a uma relação entre duas partes, onde crescem a reciprocidade e também o conflito em função da crença de que se dá mais do que se recebe e que se recebe menos do que se dá (versão encobridora da dificuldade de aceitar o que é dado)” Berenstein, 2007.

Posto sobre esta versão encobridora da dificuldade de aceitar o que é dado, acrescente a esta a dificuldade de aceitar o que é herdado na maior amplitude que a herança possa significar.

O vínculo ou enlace (termo que Berenstein não teve tempo para explorar devido a seu falecimento), está para relação, bem como esta está para o conflito entre dois ou mais membros seja de um par amoroso, uma família, um grupo de amigos, um grupo de trabalho ou mesmo grupos circunstanciais.  Logo, conflito também é uma qualidade vincular pela complexidade que os encontros despertam entre os indivíduos.

Alguns autores referem que todo o vínculo tem por característica intrínseca outra qualidade, a violência. Embora, esta qualidade possa  parecer paradoxal, já que vínculo em sua raiz é atar, unir, ele também é imposição.

Os vínculos só acontecem a partir da presença do outro, do diferente, do novo, do inusitado.

O encontro entre dois sujeitos ou mais, mesmo com pauta pré-determinada, sempre trará consigo aquilo que se desconhece sobre si e sobre o outro, implicando em desacomodações internas não previsíveis até aquele momento. Aqui está o locus da imposição vincular, pois é inevitável que no encontro entre sujeitos ocorra uma intrusão mútua  nos mundos internos individuais. Dito de uma forma gráfica:

*espaço vincular – construído no encontro e a “invasão” de uma subjetividade na outra, por isso, não existem barreiras capazes de conter.

Por tal complexidade aparecerão as resistências vinculares que estão a serviço da manutenção da integridade do mundo interno/individual. Ou tudo o que é do desejo vincular, ao mesmo tempo tudo o que será feito é resistir a este mesmo desejo.

Cabe, neste momento, pontuar que aquele vínculo que sobrevive aos “ataques” iniciais advindos do encontro, será aquele que diante do conflito produzido no espaço vincular, modificará o funcionamento para a produção de algo novo que re-estabeleça a homeostase. Assim complexizando a relação, como diz Morin em seus escritos;

“Os vínculos complexos não temem a dissolução por rompimento. Há nestes a capacidade de amparo pelo sentimento de pertença. Os laços familiares são um exemplo deste sentimento.”

Claro que isto é possível para os vínculos vitalizados pela circulação do afeto. O oposto a estes, são os desvitalizados em que o afeto circulante é instável e duvidoso. Como aparece na biografia de Bion. 

Ele diz: “Minha mãe nos botava um pouco de medo. Quando menos não fosse pelo fato de que ela poderia morrer – ela era muito velha -…”

“O colo/afeto da mãe era estranho, duvidoso, e quando ela nos pegava, ficava quentinho, seguro e confortável. Então,de repente ele ficava frio e aterrorizador.” (Zimerman, 2004)

Este tipo de instabilidade promove no mundo interno do indivíduo, aquilo que pode ser chamado de “registro roto”. Isto é, o vínculo existe, no entanto, é como um pano de seda leve, macio, protetor e ao mesmo tempo é cheio de “buracos” que impedem o seu uso e proteção. Podendo, posteriormente, invadir o aparelho psíquico de outro sujeito com este mesmo registro ao haver uma pauta conectora entre as subjetividades geracionais.

Vínculos desvitalizados e não, especificamente, os patológicos, são presentes entre famílias com laços sanguíneos originais, como também em grupos de pessoas com laços de aliança e nos grupos mistos, com laços de aliança e sanguíneos. Nos grupos circunstanciais ou até mesmo em grupos de trabalho e os terapêuticos encontramos tal característica.

O vínculo como parte da organização psíquica é “organismo vivo”, portanto, suscetível a todas emoções demandadas por aqueles presentes nele.

Como aponta Freud em sua obra:

“Já começamos a adivinhar que o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é de natureza de uma identificação desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder. Outra suspeita pode dizer-nos que estamos longe de haver exaurido o problema da identificação e que nos confrontamos com o processo que a psicologia chama de empatia, o qual desempenha o maior papel em nosso entendimento…” (1921)

Logo, a empatia, o eu e o outro necessitam andar, suficientemente, de mãos dadas para a vitalidade vincular. Assim, devemos pensar nos espaços psíquicos que constituem a subjetividade humana e que estão em interação constante em nosso cotidiano para a compreensão do lugar ocupado pela empatia como outra qualidade vincular.

O primeiro espaço é o intrapsíquico – o mundo interno, com suas representações, imagens, fantasias, sonhos. Este necessita do outro para se constituir, porém possui uma motilidade própria, independente.

O segundo espaço é o intersubjetivo – o espaço interpessoal. Aqui o sujeito já está com o outro no processo de intercâmbio de emoções. Neste espaço a presença do outro (como marca do diferente) é imprescindível.

O terceiro espaço é o transubjetivo – espaço social, cultural, onde são estabelecidas relações com um ou vários representantes da sociedade como: valores, crenças, ideologias, história, tragédias sociais etc…

Estes três espaços operam simultaneamente, embora cada um tenha a potencialidade para produzir sofrimento e interpretações errôneas. 

Tal aspecto apresenta mais uma qualidade vincular que é a capacidade de coexistir com uma parte, e também com todas as partes.

Esta é uma breve e introdutória compilação de ideias sobre a noção de vínculo, cabe ressaltar que o tempo de agora é o do acontecimento, o tempo do outro, do outro do vínculo.

 

Psicóloga Iara Pezzini Saccomori

Diretora Administrativa do ICM Especialista em Psicoterapia Vincular